Uma proposta inesperada chegou até a mim como redenção. Ana Blue, colunista do Jornal A Voz da Serra (um dos maiores e mais importantes jornais da cidade de Nova Friburgo e Região Serrana do Rio de Janeiro) viu uma fotografia minha que compartilhei no meu perfil do Facebook e imediatamente foi tocada pela foto. Um senhor negro, maltrapilho, mas com um olhar penetrante, olhos que conversam com a gente, que nos alcançam direto no coração. A fotografia vinha acompanhada de um diálogo que eu tive com o homem: "Mocinha, você tirou uma foto minha?! Tirei sim. Humm... vê se me entrega quando revelar, hoje estou muito feliz! Eu também. Entrego sim."
Tais palavras atingiram Ana Blue de uma forma extraordinária a ponto de inspirá-la a escrever uma crônica sobre esse fato tão peculiar. Ela me contactou e eu dei mais informações sobre o dia e como eu fiz a foto. E rapidamente Blue começou a fazer o que faz de melhor e com muita sensibilidade e esmero.
Pauta sugerida, pauta aprovada. Da fotografia nasceu o texto, do texto o contexto, e dos dois uma história notável e emocionante.
Minha primeira publicação num jornal, como estou feliz e agradecida!
Obrigada Antônio, Benedito, João, obrigada Isadora, obrigada Ana Blue, obrigada A Voz da Serra, obrigada Lisys.
Lisys D.
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Antônio, Benedito, João
Lisys colocou a máquina e as lentes na mochila, escovou os dentes e deu uma última ajeitada no cabelo de Isadora. O destino era até interessante — uma apresentação circense na praça, programa legal para espantar o inverno — mas Lisys realmente não sabia o que iria encontrar. Autômata como todas as mães, amarrou os sapatos de Isadora e olhou para o céu, pra ver se não iria chover. Programação de inverno de mãe é assim: vigiar o céu, a chuva improvável, a neblina, as roupas para secar.
Mochila nas costas, a pequena no colo, Lisys trancou o portão e saiu. Na praça, espectadores aguardavam o palhaço e suas palhacices, o maior espetáculo da Terra. Ou seriam malabaristas? Ou trapezistas? Fato é que, desculpe o trocadilho infame, o circo estava armado — e lá estavam mãe e filha, mochila, máquina e lentes. Na paisagem, uma cena se destacou. Entre lona, crianças e plateia, um senhor compenetrado aguardava o início da alegria. Sozinho.
Muitos assistem a espetáculos sozinhos. Não ter companhia não é crime nem pecado, mas a solidão desse homem era diferente. As pessoas não se sentavam ao seu lado. Roupa suja, cabelos desgrenhados, seria por isso? Talvez, quem sabe. É estranho afirmar que esta tenha sido a razão, uma vez que sua imagem poderia muito bem estampar uma capa de CD de blues. Um homem só, sentado num banco de concreto, um simples homem por trás dos óculos, como diria Drummond — acaso tivesse óculos.
Ocorreu à Isadora, a pequena de olhos grandes e cabelo de algodão-doce, que se sentar ao lado dele com sua mãe era perfeitamente natural. E sentou-se. Fosse qual fosse o motivo pelo qual as pessoas fugiam — Parece mendigo! Está fedorento! Tem cara de ladrão! —, nenhum deles impediu Isadora de exercitar a pureza das crianças de três anos, que perdemos tão logo crescemos. E, crescendo, nos tornamos medrosos — e segregacionistas. E, uma vez escolhendo o outro seguindo qualquer tipo de critério, já não somos puros como Isadora.
Lisys tirou da mochila máquina e lentes. E conseguiu transformar tanta sensibilidade em uma imagem. Um olhar compenetrado, de um homem que não teve moedas para oferecer ao artista circense, mas ofereceu algo muito maior de si mesmo para o espetáculo: a atenção inabalável. Quantos homens, hoje, oferecem tanto de si para o outro?
Isadora e Lisys têm nome. Qual seria o nome do homem sentado no banco de concreto? Antônio? Benedito, João? Lisys não teve tempo de perguntar. Após o clique, ele insistiu muitas vezes: Moça, você traz a foto pra mim? Eu não tenho imagem alguma de mim. "Entrego, sim senhor”. Autômata como todas as mães, ela guardou máquina e lentes na mochila, pegou a filha no colo e foi embora. Antes que chovesse, antes que o sereno gripasse Isadora. E sua história bateu na minha porta e virou crônica.
Antônio, Benedito, João, ou seja lá qual nome tenha o senhor, que bom seria se todos os homens do mundo tivessem a verdadeira imagem de si e pudessem revelá-la. E, tal como a flor e a náusea de Drummond, furassem o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Este sim, seria o maior espetáculo da Terra. Se todos fossem Isadora.
texto disponível no link:
http://www.avozdaserra.com.br/noticia_light/3338/blue-light-antonio-benedito-joao
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